Um Funeral

Esse não é bem um texto, e sim um monte de pensamentos. Se você se sentir perdido, tudo bem, também fiquei.

Há pouco fui ao enterro de um parente muito querido, uma senhora muito amável. Lá, no funeral, percebi que todas as filosofias acabam diante da morte. Na hora da morte são as palavras de Jesus que consolam, é a esperança que Ele nos deu que dá forças para continuar. Ali, diante de um cadáver, pouco importou o que pensava Kant ou o que dizia Descartes ou até mesmo o que a teologia cristã tem a oferecer, apenas me importava o simples e eficaz Evangelho do Messias de Deus. Suas palavras aqueceram corações, nutriram intelectos e acalmaram ânimos. Alguém uma vez disse que uma filosofia eficaz é aquela que instiga a mente, apazigua a alma e põe comida na mesa. Concordei.

Certamente foi uma alegria para a Lili, que deve ter encontrado seu Senhor; finalmente um descanso do seu sofrimento de tanto tempo. Mas para seu marido, com quem estivera casada por 65 anos, e os que a amavam, dói. Confesso que chorei quando ele, o marido, com uma mão sob o rosto da esposa morta tocou sua gaitinha com o coral. 

A morte tem esse poder de nos trazer à realidade e reavaliar crenças. Não é de se impressionar que muitos repensem sua vida e sua fé diante dela, e não por medo do inferno, como muitos tentariam argumentar, mas o maldito – ou abençoado – “e se?” tem consumido muitos neurônios.

Em todo funeral a pergunta “por que” aparece. O porquê de fulano ter morrido é fácil de responder, porque estava doente, ou avançado em anos, ou sofreu acidente, por isso morreu, mas responder por que pessoas morrem, daí é outra coisa.

Vejo que aqui o cético faz perguntas sem acreditar em respostas. Não acreditando em Deus ele diz, “então por que Deus deixou isso acontecer?” Ele procura significado para uma vida que crê ser sem sentido e justificações para um sofrimento que ele crê ser natural.

Um “por que” só faz sentido se houver um “porque”. O simples fato de estarmos à procura de um sentido para a vida é um forte indício de que a vida tem um sentido – e tem, e esse sentido encarnou há dois mil anos.  

Não foi Freud que disse que para suportar a vida devemos aceitar a morte? Com isso ele não está dizendo que a morte é algo duro de aceitar? Mas por quê? Afinal, se a morte fosse algo tão natural certamente não seria tão dura de aceitar. Aliás, se essa vida fosse tudo que houvesse, não seriam a morte e o sofrimento as coisas mais naturais e bem aceitas da vida? Mas não são, são? Quando você chora a morte de alguém você está dizendo “isso não deveria ter acontecido!”, mas se essa vida é tudo que há, então sim, deveria ter acontecido e é natural que tenha acontecido.

Uma árvore é cortada e eu não choro, uma galinha morre e também não choro, mas uma criança morre e me desfaleço. Por quê? O que há numa criança que me faz chorar que não há numa árvore ou numa galinha? Se o homem é apenas uma parte do universo que é puramente material, de onde vem a ideia de que não deveríamos morrer ou de que temos mais valor que uma árvore? De onde vem a dor? Se a morte é o fim, por que tantos porquês? O que é tão difícil aceitar? Você poderia dizer “porque dói perder vínculos afetivos”, mas e quanto àquele choro pela morte de alguém que está do outro lado do mundo com quem nunca tive vínculo nenhum?

Veja só, parece difícil explicar o significado e a origem da dor e do sofrimento ao mesmo tempo em que postulando a existência de um Deus bom e amoroso. Eu sei que parece. Mas fica mais difícil ainda explicar o sofrimento sem a existência de tal Deus. Se Deus existe, então algo muito terrível deve ter acontecido para estarmos assim, e se Ele é bom, Ele deve nos ajudar. Mas se Deus não existe, então os homens não têm valor algum, e se isso for verdade, então não faz sentido chorar. De onde vem essa noção de valor no ser humano? Por que então também não chorar por formigas que morrem esmagadas todos os dias ou rosas que murcham? Se formos apenas o subproduto de uma causa impessoal e amoral, como diabos nos tornamos seres pessoais e morais? De onde vem essa personalidade e moralidade toda? Se Deus existe mas não é um ser, então por que toda nossa moralidade tem a ver com pessoas? Se Deus existe e é um ser, mas não é bom, então por que nossas virtudes são para o bem? Se Deus não existe e o universo não precisa de explicação para existir, então por que o sofrimento precisa de explicação? Se o universo físico é tudo o que existe e ele não precisa de explicação, então nada mais precisa, inclusive o sofrimento.

Se a vida não precisa de explicação, a morte também não.

Se a vida é sem sentido, a morte também é. E se isso for verdade, por que filosofia? Por que religião? Por que choramos? Por que temos tantos porquês a respeito da vida e da morte?

Você pode bradar em alto tom e soar erudito ao insistir que a vida não tem sentido, mas o seu choro diante da morte fala mais alto, e ele diz “isso não deveria ser assim!”

Mas fica impossível explicar o choro sem a existência de um Deus bom e amoroso.

C.S. Lewis dizia “se há fome, há comida. Se há sede, há bebida. Se há curiosidade, há informação. Não há instinto básico que não possa ser satisfeito. ” Que instinto mais básico existiria senão o de reconectar-se com Deus? Todos as civilizações, sem exceção, em todas as partes do mundo em todas as épocas tiveram a necessidade de crer em um deus e de buscá-lo para ter vida eterna. Todas. Isso não prova nada, eu sei, mas sugere muito. Como disse Peter Kreeft, filósofo cristão, “como pode uma criatura sem aparelho digestivo aprender a desejar comida?”

Nessas horas os escarnecedores gostam de provocar perguntando “e agora, onde está o seu Deus?”, no que respondo, “aqui dentro, chorando pela dor dessa família!”. “Onde estava o seu Deus?”, eles friamente perguntam. Mas eu digo onde Ele estava: Pendurado numa cruz romana pagando pelos meus pecados. Lá Ele estava! E agora Ele está em mim, chorando pela morte do homem!

E Jesus chorou”, está escrito. Acho que entendi! Diante do luto daquelas pessoas e do sepulcro de Lázaro Jesus chorou. Não creio que foi apenas um choro pela perda de seu amigo Lázaro, afinal, Ele é a ressurreição, Ele pôde ressuscitá-lo, então por que choraria por isso? Não. Creio que esse versículo é muito mais profundo. Jesus não chorou por Lázaro ter morrido, mas pela morte em si, pela condição humana. Jesus chorou não apenas por Lázaro, mas pela morte ser um desastre na história humana. Às vezes, nós cristãos, esquecemos que esse mundo, por melhor que possa parecer, é na verdade uma catástrofe teológica. Diante dela, da morte, filósofos se desesperam e religiosos, assim como não religiosos, repensam suas vidas.

Em Hamlet, Shakespeare escreveu que a morte é o “país não descoberto, de cujos confins jamais voltou nenhum viajante”. Seria então o mistério que nos causa tanto medo? Improvável. Mistérios podem causar medo, espanto, mas não de proporções apoteóticas tais como a morte causa. Naquele funeral, as palavras de Jesus consolaram, e consolaram por que são muletas psicológicas? Não, não, mas porque são reais e eficazes. 

Jesus pode consolar porque sabe o que é sofrer, disse o profeta Isaías. Só pode consolar quem já passou pelo sofrimento. Como poderia consolar alguém que perdeu um filho se nunca perdi um filho? Deus pode consolar, pois Ele sofreu ser humano, ser mortal; Ele sofreu perder um Filho.

Também aprendemos que ela, a morte, é um inimigo, aliás, o último a ser vencido. Vencemos a morte de duas maneiras, (1) vivendo abundantemente e (2) ressuscitando. Para abundância de vida Deus nos deu Seu Espírito e para ressurreição Ele nos deu Seu Filho. Como ouvi de um pregador, “a morte não mata mais ninguém; está matada, morta, mortinha!” A morte para o crente é uma passagem de ônibus para casa.

Uma irmã muito querida que viveu muitos anos em Israel e estudou o judaísmo com rabinos me contou a história da vez que foi a um funeral de lá e ficou surpresa ao ver que as pessoas, ao invés de chorar absurdos, estavam felizes e festejando a despedida de uma pessoa querida. Um pouco diferente dos nossos funerais, não?

Nossos funerais são apenas uma das facetas da mentalidade pagã de adoração aos mortos que temos nesse país. Não só temos um feriado para eles, como também construímos verdadeiras cidades para sepultá-los. Reverenciamos a memória, oramos, damos flores, visitamos, limpamos suas tumbas, cultuamos e folgamos um dia em homenagem aos mortos. E os vivos? Que morram primeiro, depois sim daremos importância a eles!

Segundo Jesus, a morte não é o fim da vida e a vida pós-morte não é um novo começo. A morte é o interlúdio, uma pausa, e o pós-morte é a continuação. Se nesta vida, com Deus, na continuação, com Deus também. Se nesta vida, sem Deus, na continuação, sem Deus também.     

Saiba que você não merece Deus e bem por isso Ele desceu, para nos oferecer de graça e por misericórdia aquilo que nunca alcançaríamos por esforço e mérito.

Guilherme Adriano

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